terça-feira, 7 de agosto de 2012

Aprendendo a dizer Adeus...

Boa Tarde...

Faço mais uma vez, uma pausa para observar a Terra e meus protegidos... E mais uma vez, seus conflitos me atormentam. Sim, humanos atormentam Deuses com quase a mesma frequência que Deuses atormentam humanos... É um ciclo suave e equilibrado, e deveras enfadonho. Mas isso não vem ao caso..

Humanos... Eu gostaria de compreendê-los melhor. Mas já me foi pontuado, que por causa de minha imortalidade, eu jamais os compreenderei totalmente.

Através dos séculos, eu os observo cuidadosamente, de cima do Olimpo, e de perto no Submundo... Assisto silenciosamente, sua passagem entre a vida e a morte através das eras... Seus erros, seus sonhos, seus desejos... Ao lado de minha mãe, escuto seus pedidos e preces, e quando findados os meus dias no Olimpo, eu retorno ao lar do meu esposo no submundo. Enquanto caminho circundando este planeta, atravessando continentes e povos minha chegada traz alegria. O primeiro vislumbre de uma flor depois do tempo nevado ainda aquece corações, e faz sorrir o mais inocente. Existem centenas de datas festivas, dedicadas a celebrar minha passagem, muitas até hoje comemoradas, muitas esquecidas, que ainda me fazem desejar caminhar sobre a terra de Gaia.

Mas em minha caminhada, contínua e eterna, assim como eu chego eu também tenho que partir. Para alegrar outra raça, devo deixar aqueles que tanto se alegraram com a minha presença, e muitas vezes com a minha partida, também vem o pesar. Eu me alegro de retornar àquele quem amo, e poder reinar ao seu lado. Ocasionalmente, o pesar e a saudade de dançar junto as ninfas me faz sufocar uma lágrima, mas aqui, posso trazer a paz e a tranquilidade para aqueles que já não sabem parar de chorar. Como esposa do senhor do submundo, meus deveres são tão pesados quanto ostentar a primavera sob meus passos. E é exatamente com o pesar onde meu trabalho como Senhora dos Mortos começa.

Porque existe a partida? Porque se despedir?

De todas as bravatas escancaradas aos quatro ventos e sobre os sete mares, esta sempre é a mais sofrida. Porque o adeus?

Eu já vivi mais despedidas que qualquer humano poderia suportar... A vivencia como Deusa é pesada sobre os ombros, e nos faz indiferentes à certas dores... Mas posso dizer sem duvida, que a dor do Adeus é a pior que um ser humano pode enfrentar...

Eu assisto silenciosamente, a compulsão humana de culpar alguém por isso. Poder dizer, ele é o culpado, ela é a causa. Na falta de um culpado vivo, isso deixa de ser físico ou material... Quantas vezes senti as lagrimas de senhoras, dando o ultimo acalento à seus natimortos, consolando-se na máxima "Foi assim que Deus quiz". Chego a me perguntar se, sequer pensam naquele que se foi, sem pensar em si mesmos.

Por muitas vezes, acompanho um amigo do qual fiquei muito próxima, Thanatos, a buscar aqueles que se recusam a seguir o caminho de volta para o reino de meu marido... São fáceis de encontrar... Ficam as voltas de seus entes queridos, sem o desejo de se despedir, ouvindo os lamentos e as dores daqueles que ficaram para traz. Em todo mundo, existem muitas formas de dizer adeus. Alguns mantêm pequenos altares em casa para aqueles que perderam, outros fazem procissões inteiras, funerais, festas, reuniões de lamentos, momentos de silencio. Centenas lembram-se de seus amados diariamente, e me aborrece ver que muito disso é incentivado.

Não me entenda errado, é normal sentir-se saudoso daquele que um dia você amou, e não encontrará novamente. Artistas fazem sucesso com canções, peças, quadros, que retratam sua dor, simplesmente por representá-la, e as pessoas se aproximam disso, por sentir-se da mesma forma. Eu entendo a nostalgia da lembrança, daquele que caminhou ao seu lado. O que eu não compreendo, é o egoísmo daqueles que perderam seus amados, e se lamentam por estarem sós. Não entendem, que quem partiu também não está feliz de deixá-lo? Quantos estenderam ao seu máximo seus dias, apenas para estarem com quem amavam? Cumprir promessas? Completar todos os tipos de tarefas, silenciosamente, apenas para garantir que aqueles que amam vão estar calmos e seguros após sua partida? O egoísmo do ser humano me aborrece, profundamente.  A idéia de perder alguém que amam é tão perturbadora que eles não conseguem aproveitar os últimos dias em sua compania. As tão ditas religiões não ajudam muito nisso... Algumas ajudam, outras pioram. O medo de não saber oque os aguarda após o ultimo suspiro causa tanto caos em suas mentes que os faz destruir a si mesmos.

Entre meus protegidos, eu vejo todos os tipos de Adeus.

Adeus entre aqueles que seguem caminhos separados, apesar de se amarem.
Adeus entre aqueles que deixam de se amar, e apesar de seguirem o mesmo caminho, já não estão juntos.
Adeus entre aqueles que vivem e morrem.
Adeus entre aquele que evolui e oque fica para traz.
 Adeus entre pais, irmãos, avós, tios e primos.
 Adeus causados por guerras e ódio.
Adeus causado por dor e mágoa.
O Adeus silencioso das decisões que poucos ficam cientes.
Adeus daqueles que se lançam em nossos reinos por vontade própria, deixando para traz bilhetes e pessoas por amar.
Adeus à saúde, quando escolhem o vício.
Adeus à liberdade, quando escolhem silenciar.
Adeus de oportunidades, de chances, de amores que poderiam ser, e não o são.
Adeus ao amor.
Adeus à vontade de viver.
Adeus aos sonhos.
Adeus à Luz.

Creio que se eu gastasse um éon escrevendo, ainda assim não conseguiria listar todos eles...

Me pesa o coração ver o quanto o ser humano expandiu esse pesar, chamado Adeus. Não é incomum entre meus protegidos, ver aquele que sabe que seu fim se aproxima se desesperar com a ideia de deixar aqueles que ama para traz.

Houve mais de uma vez, aqueles que vieram bater os portões de meus castelos, esbravejando em rompantes de dor, "Por que? Por que? Por quê o tirou de mim?"  ou "Por quê agora?", clamando ver aquele que lhes foi levado embora. Até os mais dedicados dos meus filhos, se encolhe em lagrimas sobre o meu peito, diante a dor do Adeus.

Aqueles que sabem sobre oque lhes resta de vida, são sábios em silenciar sobre eles. Aqueles que não o fazem se arrependem amargamente, pois aqueles que o sabem, e lhes são caros, sofrem mais que o necessário. Certa vez, uma filha me pediu uma solução para a dor daqueles a quem ela incautamente confidenciou oque sabia. Depois de ver o horror se alastrar entre os que a amavam, ela correu à mim, pedindo um jeito de apagar isso... Oque infelizmente, eu não pude lhe dar. Para que ela conseguisse aliviar seus amados de tal dor, eles deveriam também, desejar esquecer. Mas de tão amada, nenhum deles assim o fez. Mas tudo é incerto no tear das irmãs... Nunca se sabe se isso pode ser alterado... Talvez, exista uma chance... Para ela ou talvez para tantos outros... Eu assisto cuidadosamente as irmãs tecendo, cada escolha muda o fio de lugar... Talvez ele não termine onde deveria terminar. Quem sou eu para dizer?

Até aqueles que sabem que vão perder um amor, fazem coisas tolas, com objetivos bobos, de satisfazer aqueles que estão por partir, que normalmente não o fariam. E por mais que eu deseje intervir, meu sábio marido segura a minha mão, e esconde meus olhos doque eu não desejo ver. O triste fim de certas certas escolhas, as enormes guerras que se iniciam, por motivos tão simplórios. Eu já estou cansada de assistir a esse tipo de dor. Tudo oque posso fazer, é aguardar a passagem da criança por meus portões... Enxugar suas lágrimas, abraçá-la, tentar acalmar seu coração... Mostrar que aqueles que a amaram vão continuar caminhando, e que ela pode ficar tranquila, e aguardá-los em nosso reino, se assim desejar. É uma das minhas maiores alegrias aqui... Cuidar dos campos de Asfodéleos, e assistir o regozijo daqueles que se reencontram, entre os que ficaram e os que aguardaram, por tanto tempo...

Quando é que a humanidade vai aprender a dizer Adeus?
Eu realmente gostaria de saber...

Perséphone Moriat

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