domingo, 19 de agosto de 2012

Lágrimas de Sangue

Boa Noite...

Nesta noite silenciosa, enquanto tecia calmamente sob a luz do luar perdida em devaneios, me encontrei indagando, algo que há algum tempo eu gostaria de saber... Qual é o problema do ser humano com as lágrimas?

É curioso, como muitos fazem questão de exibí-las, e outros fazem questão de silenciá-las. Ao longo dos séculos, pude observar as diversas nuances que as trazem à tona. Devo admitir, que as lágrimas, são um veículo de liberação de dezenas de emoções. Sejam sutis ou arrebatadoras, elas sempre se fazem presentes. Seja por desejo, desespero, saudade, dor, raiva, alegria ou amor.

Ora, as lágrimas já nascem com o ser humano. São o primeiro suspiro de um bebê, o sinal de que está tudo bem... Elas escorrem contra a vontade do mais forte, e marcam a dor daquele que sofre... Alguns tem receio delas. Outros fazem questão de contabilizar, cada gota derramada por outrem. Existem aqueles que se gabam de poder fazer uso delas a hora que bem entenderem, como bons atores, esperando por aplausos de algo falso, e existem aqueles que preferem a morte à deixar-se serem vistos com elas. Existem também aqueles que não sabem usá-las.

Este ultimo caso, é o que mais me chama a atenção. Acho curioso, como um ser humano é capaz de ignorar algo que nasce com ele. Sejam dons natos os quais nunca chegam perto de testar sua capacidade, sejam gestos simples, como demonstrar candura, ou lágrimas. É intrigante, a força que o ser humano faz para ir contra oque lhe é nato. Vi por alguns anos, a força que a humanidade fazia para padronizar seus impulsos. Através de regras e leis ignorantes e tolas, eles se restringiram de alimentos, alegrias, atividades, amores... Quantos não pereceram, silenciando amores considerados impróprios, dos quais muitas vezes sequer ousaram deixar uma lágrima rolar por tal dor?

Vejo muitos dos quais, por conterem as lágrimas tão fortemente, extravasam em forma de raiva e ódio sobre outras pessoas, e sobre si mesmos. Seja ferindo aquele que lhe é próximo com palavras e gestos, ou à si mesmo com navalhas e tiques, o ser humano não consegue conter aquilo que é tão enraizado em sua matriz... O Impulso.

Por mais controlada e contida que seja a pessoa, em algum momento, ela dá vazão à essa necessidade. Alguns pintam, outros escrevem, outros praticam esportes... Existem também aqueles que dão vazão à essa necessidade de forma destrutiva, ferindo outros, seja fisicamente, emocionalmente, ou fatalmente.

Quantos poetas gravaram em centenas de versos, oque lhes trazia lágrimas aos olhos? Quantos corações partidos, choraram até não haverem lágrimas à se derramar, e mesmo assim continuaram chorando por dentro, cujo impulso de chorar era maior que a sua capacidade humana? Quantos choram escondidos ou acompanhados, depois de uma ou duas taças de vinho, que lhes quebram as barreiras que eles mesmos constroem ao redor dos olhos e da voz de seu coração?

Quantos se proíbem de tal alívio, trincando os dentes e batendo no peito com força, negando sua própria natureza humana? Você aí, que está lendo... Também se nega esse momento?

Eu vejo a diária luta daqueles que engolem certas emoções. Alguns abdicam dos sentimentos, permanentemente, em busca de não ter que enfrentar suas próprias lágrimas. Alguns as engolem silenciosamente, na ilusão de que se fizerem força o bastante, em algum momento, elas deixarão de aparecer. Alguns são obrigados a escondê-las, por acharem-se fortes demais, ou fracos de mais. E oque fazer quando se cansa de lutar? Porque lutar contra si mesmo? Por acaso não sabem se amar? Tamanho é o tormento de lidar com sua própria mente, seu próprio coração que preferem silenciá-los para que possam viver a ilusão de que está tudo bem?

Há poucos dias, ví uma jovem, sentada à beira de uma cachoeira. Seu olhar era triste, os cabelos loiros balançavam suavemente com a brisa, a qual ela parecia ignorar... Enquanto uma mão segurava algo que eu não podia ver, a outra corria nervosamente pelo pescoço, cujas unhas delicadas passeavam pela nuca dando voltas em fios mais curtos de cabelo apenas para arrancá-los de sua própria pele. Hábito estranho, pensei comigo mesma. Ao me aproximar, pude examiná-la melhor. O rosto, perfeitamente maquiado, tinha um ar infeliz. Como uma princesa desiludida, ela observava seu próprio reflexo na agua como se ponderasse algo profundo. Sem notar a minha presença, ela suspirou e cobriu o rosto com as mãos, mas eu não esperava oque veio à seguir. Depois de alguns minutos nessa posição ela exalou exaltada.

"Oquê há de errado comigo?"

Curiosa sobre oque fazia aquela criança tão infeliz, toquei-lhe o ombro, fazendo-me presente. Ela então mudou completamente o seu rosto, de um olhar abalado para um sorriso juvenil, e me saudou. Quando lhe questionei sobre oque a aborrecia, o sorriso morreu.

"Er.. bem, eu...eu não consigo chorar..."

Eu me pergunto, como eu encontro tais criaturas. Numa caminhada tranquila, eu consigo encontrar os mais diversos tipos de conflitos, que um ser humano pode enfrentar. Chamei-a ao meu palácio, e ao longo do caminho pudemos conversar. Qual não foi a minha surpresa, em saber que aquela jovem realmente se tratava de uma princesa. O andar, sua forma de falar, pequenos hábitos... Escondidos sob uma luz sutil de beleza e inocência, que emanava dela. Como princesa, aprendera a sempre se mostrar forte, um exemplo a ser seguido, que mesmo frágil e delicada, podia ser sábia e independente. Porém, para demonstrar tal imagem para quem amava, ela engoliu silenciosamente cada uma de suas lágrimas. E agora, que seu tempo de reinado havia cessado, ela se encontrava solitária e triste, mas nem que assim quisesse, podia trazer suas lágrimas aos olhos. Por maior a dor que sentisse, ela mantinha-se passiva, e silenciosa, mesmo quando não havia ninguém para vê-la sorrir.

"É a pior coisa que existe" Ela disse. "Desejar deixar a dor sair e ser incapaz de fazê-lo"

Por algum tempo, observei a dor desenhada em seus olhos, perfeitamente contornados, sem um traço de paz sobre eles. Mas não havia nada que eu pudesse fazer. Ela erigira essa muralha sozinha, e só ela poderia rompê-la por dentro... Ao chegarmos ao meu lar, pedi que meu marido deixasse ela permanecer sob meus cuidados, que com um suspiro ele assentiu. Acho que em algum momento ele haverá de se habituar, com meu desejo de cuidar daqueles que vagam perdidos aqui.

Foi-lhe preparado um quarto próximo ao meu, e mandei-a repousar. Depois de tanta dor suprimida, ela precisava descansar. Imaginei que ela levaria algumas horas nisso, e fui para o hall, ouvir aqueles que traziam a mim seus pedidos. Qual não foi a minha surpresa, que pouco depois de eu abrir as portas para os pedidos, Mayra, a criada que deixei para cuidar da princesa invade o salão.

Pouco tempo depois, encontro-me no quarto que fora lhe designado. A jovem, vestida num belo linho róseo, estava sentada na sacada, com o olhar perdido na imensidão dos submundo. O chão de mármore negro não reluzia como deveria. A luz refletia limpidamente do piso liso, mais próximo à princesa, podiam ser vistas pequenas gotas espessas de mais para serem agua. Quando me aproximei, pude ver o vestido manchado com sangue, que corria em perolas rubras, em direção ao piso negro. Haviam cortes finos escondidos sob a manga, centenas deles, já cicatrizados, e um novo e profundo, do qual a vida lhe escapava suavemente. Ela brincava com um pequeno pedaço de vidro entre os dedos e o revirava graciosamente como se lhe fosse natural. Vendo-o cintilar sob a luz da noite, por um breve segundo, eu pude pegar o vislumbre de uma íris vermelha como o sangue que observava atravez daquele espelho.

Quando toquei a ferida, para cura-la, ela me impediu.

"Você não vê? Meus olhos são defeituosos, e as lagrimas não saem por eles... elas tem que sair por algum lugar..."

Estupefata, deixei o quarto, e me retirei para tecer... Isso me ajuda a pensar... Depois de tanto tempo, represando as lágrimas que manchariam aquele rosto, ela agora encontrava paz vertendo lágrimas de sangue... Como a humanidade conseguiu chegar até onde estamos vivendo, se torturando dessa forma? Se negam emoções, sentimentos, prazeres... Viver... Vivem atravez de enigmas e conflitos, sem nenhuma lógica, ou intenção, até o ponto em que a alma não consegue mais ser represada, e nisso explodem e destroem-se sozinhas, deixando centenas de cacos e estilhaços à recolher e definhar. Minha mãe julga a humanidade sábia... Eu... Eu não consigo compreendê-la.

Eu realmente gostaria de entender... Qual é o problema do ser humano com as Lágrimas?

Perséphone Moriat

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